No meio da noite escura, confiantes na Ressurreição

Pedro Ribeiro A Amazônia

Uma visão da atual conjuntura política

por Pedro Ribeiro.

Introdução

Há um ano apresentei num evento de Fé e Política uma análise de conjuntura que foi criticada por ter sugerido que, após nossa derrota pelo golpe de 2016 consumado na eleição de Bolsonaro, era o momento de “fingir-se de morto e evitar confrontos, a menos que possamos sair vitoriosos”. Lembro isso para insistir na necessidade do pessimismo da análise e do otimismo da ação. Otimismo porque sugeri também que era o momento da autocrítica e podíamos reconhecer pelo menos um ou dois erros sem entrar em depressão, e adotar a estratégia da dispersão. Voltar às bases, sempre em grupo (conforme Jesus recomendava) mas também ocupar os espaços de poder que se abrissem no Estado e na Sociedade civil (aí incluídos os espaços de instituições religiosas). Na atual conjuntura, as posições de poder devem ser assumidas como serviço de proteção a quem estiver nas bases.

O que mudou de um ano pra cá?

Intensificação de processos de morte

1. Aumentaram os sinais da catástrofe climático-ambiental até 2050. Mas aumentou mais ainda a consciência dessa crise: Greta Thumberg e as greves pelo clima. Nesse contexto a Amazônia veio para o centro das preocupações mundiais.

2. Agravou-se a crise financeira mundial iniciada em 2008: economia quase paralisada, até mesmo na China. Aumenta a probabilidade de guerras do mundo (Hoje são 30, além de 18 pontos de tensão). Despesas com armamentos crescem. A Amazônia aparece aos olhos do mercado como válvula de escape, pela privatização e mercantilização de seus bens-comuns.

3. O governo Bolsonaro está perdendo força: sua submissão às empresas petroleiras (leilão das reservas de petróleo, e não do petróleo) e à política externa de D. Trump não é recompensada pelos EUA. A qualidade do ministério e do primeiro escalão do governo é muito pior do que podíamos imaginar há um ano. Mas a política ultraliberal de P. Guedes agrada aos 20.000 muito ricos, e ele será apoiado enquanto promover as privatizações e garantir a livre dominação do capital sobre os trabalhadores e trabalhadoras. Além disso, a retirada da proteção ao meio-ambiente, aos povos indígenas e às populações tradicionais, agrada ao agronegócio e às grandes mineradoras. Enfim, os privilégios concedidos aos setores militar e policial asseguram seu apoio ao governo sempre que apelar para a repressão. Provavelmente Bolsonaro será descartado quando P. Guedes terminar seu serviço, mas Mourão dará apenas um pouco mais de seriedade ao governo.

Ou seja, temos pela frente um cenário que já foi definido como de necropolítica: a morte como objetivo político (sucesso do filme Bacurau). A aprovação da nova lei da Previdência foi a mais recente medida para provocar a morte das pessoas vulneráveis, em benefício dos fundos de pensão. A curto prazo, está a liberação de venenos e o corte de verbas para o SUS.

Novidades a favor da vida

1. Sínodo da Amazônia: com grande apoio da população mais consciente, embora provocando divisão na Igreja e dando pretexto para aumentar a violência simbólica contra Francisco, o Sínodo é um sinal visível da Igreja em saída. A Igreja sai dos templos, sacristias e salões paroquiais, em direção ao povo que sofre, seja católico ou não, e ao cuidado da Casa Comum. Importante notar que esse movimento não tem volta: quem experimenta o seguimento de Jesus como cuidado com seus preferidos – os e as empobrecidas – descobre a melhor forma de espiritualidade do cristianismo, porque descobre a Salvação como Boa-Notícia a quem está ameaçado de morte ou de destruição. “Queremos terra na Terra, já temos terra no Céu”, dizia Pedro Casaldáliga. É ressurreição também da religião e da nossa Igreja, que está adoecida porque não toma sol, está sem luz, paralisada em seus rituais repetitivos como se nosso Deus fosse um ídolo sem vida.

2. O levante da juventude no Chile é a grande surpresa. Modelo de sociedade de mercado livre de intervenções do Estado (P. Guedes fez parte da equipe que traçou o projeto, aplicado pelo regime de Pinochet), governada por um empresário milionário, o Chile de repente explode em revolta de adolescentes e jovens contra o aumento de 30 centavos no metrô. A repressão atiçou o fogo da revolta. “Não são 30 centavos. São 30 anos”. Apesar do severo toque de recolher, quase 20 mortes, muitas denúncias de estupros e torturas, o povo está nas ruas. E só aceita o diálogo político depois do fim do toque de recolher. O Chile buscará, pelo diálogo, atacar a causa real de sua revolta: a pobreza da multidão devido à concentração da riqueza de algumas poucas famílias. Esse processo poderá ser uma luz para todos os Povos.

Questionamento que o Chile nos faz

A pergunta que não se cala é: por que não há revolta no Brasil? A desigualdade aqui é maior do que no Chile, e será agravada com o passar do tempo, pois as medidas protetoras dos governos Lula e Dilma foram desidratadas e as medidas ultraliberais já mostram seus efeitos nefastos: aumenta o número de bilionários enquanto o desemprego se alastra, principalmente entre a juventude. Será que precisaremos de vinte anos para entender que o mercado liberado de regulação só serve para concentrar a riqueza nas mãos de pouca gente? Se for preciso todo esse tempo, será tarde demais… A catástrofe climático-ambiental destruirá a economia de mercado antes que ela seja posta sob controle da sociedade, como quer a “Nova Economia” que Francisco propõe ser estudada em março de 2020, em Assis.

Enquanto isso a grande maioria da Humanidade vive em tempos de escuridão – como no Ensaio sobre a Cegueira, de Saramago – e não percebe que caminha para se matar uns aos outros. No caso, trata-se dos olhos impedidos de enxergar por efeito do deslumbramento: excesso de luminosidade emitida pelas mídias – empresarial e eletrônica – onde o mundo virtual encobre o mundo real e sua dureza. Esses potentes holofotes midiáticos, porém, tendem a perder o brilho, revelando-se assim a escuridão da noite que estamos a atravessar. Quando chegar essa hora, o mundo será iluminado por humildes lamparinas, desde que se mantenham acessas e se juntem. O cristianismo pode alimentar essas lamparinas pela Fé na Ressurreição, pelo Cuidado amoroso com a Terra e sua comunidade de vida, e pela Esperança da Sociedade do Bem-Viver. Outras espiritualidades ou correntes de pensamento deverão trazer outras contribuições de modo que, juntas, essas humildes lamparinas formem um novo e potente farol para a Humanidade reconciliada consigo mesma e com a Terra.

Pedro A. Ribeiro de Oliveira - Membro da Coordenação Nacional
Pedro A. Ribeiro de Oliveira – Membro da Coordenação Nacional – Juiz de Fora MG

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