Esse é o lema da Campanha da Fraternidade que a CNBB promove no período da quaresma, iniciando na quarta-feira de cinzas até a semana na Páscoa neste ano de 2020. O texto-base é um convite à profunda reflexão sobre o sentido da vida e qual é o papel que mulheres e homens cristãos e pessoas de boa vontade têm perante a mercantilização da vida humana, de seus valores e da mãe-terra.
Trata de temas difíceis, que a maioria de nós já foi tocada de perto: situações de suicídios, automutilação e destruição da natureza. Afinal qual é o rumo que a humanidade está tomando? Que valores podem dar sentido à existência diante da banalização e patrocínio de diversas formas de violências, de intolerância e de ódio? É um convite à profundidade, diante de uma sociedade da aparência, da presença apenas virtual e de muitas superficialidades.
O esforço necessário para vencer os desafios da vida se contrapõe à ideia de que tudo depende apenas de uma decisão individual, como se a pessoa, principalmente as mais excluídas da sociedade, fossem as únicas responsáveis pela sua situação de miséria. A Campanha da Fraternidade nos ajuda a denunciar as estruturas de morte que geram condicionamentos às possibilidades de maturação humana das novas gerações de povos inteiros. Isto porque estão submetidos à lógica da globalização da indiferença, dentro de um modelo de economia tecnocrático que reduz populações com tradições, sentidos e histórias em frios números. A decisão sobre as possibilidades de vida ou morte são tomadas sem a consulta desses inúmeros países, excluídos que estão das arenas internacionais, como o Fórum Econômico Mundial de Davos, por exemplo.
Neste contexto de contradições e incertezas, e em perfeita harmonia com a Campanha da Fraternidade, começa a ganhar divulgação, os resultados do Sínodo da Amazônia, não apenas no bioma específico, mas em todo o Brasil. O Documento Final do referido Sínodo já foi publicado e há grande expectativa para recepção da exortação apostólica pós-sinodal. Muitos de nós consideramos que ele equivaleu a um “Concílio Vaticano III”.
Entre os aspectos que dão fôlego para percorrer os novos caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral, o Sínodo da Amazônia consagrou a Natureza como “sujeito de direitos”, ou seja, reconheceu os “direitos da mãe-terra”. Em seguida, definiu o pecado ecológico: as decisões que retiram as condições de vida de povos originários e comunidades tradicionais ou de cidades inteiras, como ocorreu em Mariana e Brumadinho. Esses crimes tiraram a vida de muitas pessoas e outros seres vivos, como animais, peixes e vegetais, contaminando os diversos rios das Bacias do Rio Doce e a do Rio Paraopeba.
O Documento Final sinodal organizado em “Conversões” remete a urgentes mudanças no estilo de vida e nas estruturas da sociedade e da Igreja Católica. A conversão integral se traduz em quatro outras conversões: pastoral, inspirada na “Alegria do Evangelho”; cultural: inculturação e interculturalidade, baseada no magistério da Igreja Latino-americana e Caribenha; ecológica, com fundamento na Laudato Si; e sinodal, consolidando a aplicação da Constituição Apostólica “Comunhão Episcopal” e de todo espírito do Concílio Vaticano II.
A novidade que representou a conversão cultural, principalmente na proposição da interculturalidade, é uma convocação para toda a Igreja e todas as Igrejas se colocarem como aliadas dos Povos Indígenas na defesa de seus territórios e do reconhecimento que seu modo de “bem-viver” traz em si as “sementes do verbo”. O convite é que por meio do diálogo seja forjada uma grande aliança em defesa das vidas dos povos originários e comunidades tradicionais, num verdadeiro “mutirão pela vida”. Quem nos alerta é o Papa Francisco por meio de suas palavras em Porto Maldonado, Peru: “eles nunca estiveram tão ameaçados como atualmente”.
Na mesma linha de profunda mudança se coloca a conversão sinodal, que retoma a igualdade batismal do Povo de Deus, todo ele sacerdotal, real e profético. Com destaque para o protagonismo das mulheres e das juventudes, requerendo vencer o clericalismo, presente não só nos ministros ordenados, mas também na cultura eclesial do laicato de nossas comunidades, paróquias e dioceses. Assumindo a dinâmica, já anunciada no Documento de Aparecida, de discípulos e discípulas missionárias. Todos e todas chamadas a fomentar as Comunidades Eclesiais Missionárias, que é a novidade das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora, aprovadas para o período de 2019 a 2023 pela CNBB.
No contexto de agravamento da exclusão socioambiental, desde a ruptura democrática que sofremos no Brasil após 2016, somos convocados/as à mobilização das pessoas, famílias, coletivos, organizações, igrejas e movimentos sociais na base da sociedade para despertarem e colocarem em sua agenda a ampliação da resistência democrática e a luta pela soberania de nosso povo brasileiro, tão diverso e plural. Nesta conjuntura, as reflexões e ações propostas pela Campanha da Fraternidade de 2020 e os resultados do Sínodo da Amazônia são luzes que animam a caminhada.
Cuidemos para que a Campanha da Fraternidade não se resuma ao assistencialismo caritativo que cria ainda maiores dependências e que as decisões do Sínodo da Amazônia não sejam engavetadas pela burocracia de nossas organizações. Sempre há riscos de reducionismos! Acreditemos na capacidade de resistência de nossos povos e na criatividade, bom humor e na sabedoria profética de nossa gente, como fizeram no samba-enredo da Estação Primeira da Mangueira no Rio de Janeiro. Fazendo carnaval, nós gestamos a consciência! Despertemos!
O Movimento Nacional Fé e Política se coloca nesta missão de percorrer novos caminhos para seguir contribuindo na conquista de políticas públicas na concepção do “Bem-Viver”; no resgate da democracia; e no fortalecimento do trabalho de base que promova a Ecologia Integral e incentive o diálogo e a mobilização social em defesa da soberania de nossos povos no Brasil, na América Latina e em todos os lugares do mundo onde a opressão não permite que nossos povos “tenham vida e a tenham em abundância”.
