Por Jorge Alexandre Alves*
Neste mês de outubro comemorou-se o Dia do Professor e da Professora. Trata-se daquela data em que se rende todo tipo de homenagem ao magistério. Evidentemente que as homenagens são mais que justas. Porém, às vezes, tudo parece soar muito romântico, idílico e por que não dizer, falso.
Nos últimos anos, a cada 15 de outubro as redes sociais são abarrotadas com mensagens enaltecendo a figura do docente. Muitas e das mais variadas frases, em fundos coloridos, com corações, paisagens, nuvenzinhas. Citações de vários e importantes educadores da história.
A imprensa – sobretudo na televisão aberta – reforça aquela imagem já batida segundo a qual o exercício da docência é uma vocação quase religiosa, uma espécie de atividade missionária de caráter cívico. E somos bombardeados por reportagens onde a figura da professora abnegada ou o do professor “dedicado” se destacam, transmitindo o caráter sacrossanto da atividade profissional. Parece até que professor é uma espécie de sacerdócio.
No entanto, toda as vezes em que professoras e professores atuam como categoria na luta por direitos a coisa muda bastante. Basta mencionar quaisquer demandas por melhores condições ou simplesmente por dignidade no exercício de seu ofício. Quando isso acontece, somos esculhambados em cadeia nacional por comentaristas de televisão, influenciadores digitais ou acusados por repórteres e apresentadores de telejornais de agirmos corporativamente em nome de privilégios que nunca tivemos.
O que se valoriza de fato é um estereótipo: o do docente subserviente, feliz com as migalhas que recebe como salário. Eles têm que estar disponíveis 100% de seu tempo para serem explorados, sobretudo com as novas ferramentas digitais e aplicativos de mensagens. Demandam que professores se autoimolem, produzindo exploração sobre si mesmos, gerando seu cansaço permanente.
A impressão que dá é que boa parcela da sociedade não quer gente altiva e que pensa à frente das salas de aulas. Não poucas vezes, o que parece é que se deseja no magistério gente servil e sem muito horizonte intelectual. Ou então que possua enorme conhecimento bacharelesco, mas que ache bonitinho ser “amigo da escola”.
Portanto, há uma grande hipocrisia social envolvendo a Educação e os educadores brasileiros. Nos últimos cincos anos ser professor no Brasil é se sujeitar a toda sorte de calúnias, injúrias questionamentos e mentiras a respeito de sua atividade profissional. De vagabundos a doutrinadores, de privilegiados e corporativistas, parece que as mazelas da educação são causadas pelos profissionais do ensino.
Todo mundo acha que pode se meter no fazer cotidiano do magistério no Brasil. Responsáveis querem impor suas agendas aos professores de suas crianças, a maior parte dos donos de escolas e de gestores escolares temem qualquer coisa que lembrem autonomia docente. Hoje, há um pânico de supostas “ideologias” introduzidas neste lugar sagrado chamado escolas, que estariam pervertendo a cabeça de crianças e adolescentes em sala de aula…
Nem as universidades escapam desse linchamento público. Já teve ministro da educação que declarou que as universidades eram lugar de consumo de drogas e de orgias. Enfim, uma verdadeira balbúrdia, como disse outro ministro. O atual responsável pelo ministério já declarou que existem universidades demais e que elas não são para todo mundo – o todo mundo nesse caso, significa gente pobre.
Em plano federal, cortam-se verbas que inviabilizam o retorno presencial de institutos federais e de universidades. A pesquisa científica no brasil já teve 92% de suas receitas cortadas. Sangram as faculdades federais e estrangulam as escolas técnicas. Mesmo que fosse seguro reabrir com aulas 100% presenciais, institutos federais e universidade não teriam condições de fazê-lo pelos cortes orçamentários que sofreram.
O tradicional e respeitado Colégio Pedro II – uma das melhores instituições públicas da educação básica brasileira – é tratada como uma fábrica de criminosos por autoridades e certos parlamentares. Agora começa a sofrer ataques do maior grupo de mídia do país por não ceder às pressões pelo retorno às aulas presenciais. Na televisão e no jornal, contam-se histórias de estudantes que sofrem pela falta da escola, mas omitem a posição da maioria das famílias, que são contrárias ao retorno neste momento.
No Rio de Janeiro, os dados mostram queda no número de casos e de mortes por Covid-19, mas a taxa de transmissão ainda é muito elevada. A experiência tem mostrado que protocolos dificilmente são cumpridos em escolas da Educação Básica, públicas ou particulares. Como retornar com segurança com o orçamento muito comprometido?
Ao arrepio dos riscos na pandemia, procuradores de justiça tentam forçar o retorno presencial – mesmo sendo a rede de Institutos Federais a que melhor desenvolveu estratégias entre as instituições públicas de ensino básico para minimizar a exclusão digital durante a crise causada pela Covid-19. O que os doutores ignoram (ou fingem ignorar) é que a exclusão digital nas escolas é um fenômeno tão antigo quanto a implementação da internet no Brasil. Ninguém nunca entrou com liminares para obrigar o poder público equipar as escolas com banda larga ou para garantir a conectividade de todos os estudantes de nível médio nas escolas públicas…
Veio a pandemia e escancarou velhas perversidades – que já existiam, mas se fazia vistas grossas a elas – associadas a novos arranjos igualmente perversos na educação. O uso indiscriminado de plataformas de ensino remoto, a pressão por aulas remotas como se fossem a única saída para salvar a educação na pandemia cobraram um alto preço do magistério brasileiro. A precarização das já ruins condições de trabalho deixou professoras e professores mais doentes, emocionalmente abalados e fisicamente exaustos.
Docentes com comorbidades perderam seu emprego, o retrabalho e o tempo dedicado às atividades virtuais de ensino aumentaram exponencialmente com o emprego das formas remotas impostas durante a pandemia. E isso tudo sem a menor garantia de produzir aprendizagem significativa, por mais que a grande imprensa omita essa variável. Isso sem falar nas contrarreformas da Educação, sobretudo a implementação da Base Nacional Curricular Comum e do Novo Ensino Médio.
Essas mudanças, longe de serem solução efetiva para os problemas da parte final da Educação Básica, estão baseadas em um modelo de escola que mais atende às demandas do empresariado do que às necessidades concretas dos filhos da classe trabalhadora. Travestida de inovação tecnológica, tais “mudanças” são verdadeiro retrocesso, parecendo ter sido inspirada na Lei 5692/71, implementada em plena ditadura militar.
Diante de contexto tão desfavorável para trabalhadoras e trabalhadores da Educação, que sentido faz as frases de efeito, as postagens melosas e as reportagens edulcoradas sobre o magistério? Há muita hipocrisia social e pouco reconhecimento dispensado aos professores e professoras brasileiras. Muitas vezes, os que aplaudem docentes em 15 de outubro são os mesmos que os apedrejam e os caluniam durante o restante do ano.
Jorge Alexandre Alves é sociólogo e professor. Integra a Coordenação Ampliada do Movimento Nacional Fé e Política. *