Advento novo para a humanidade

Pode-se discutir se o mundo atual parece mais desumano e cruel do que era, há 50 ou 70 anos. Sem dúvida, há avanços e recuos. No ponto de vista social e político, a crueldade da elite que domina o mundo parece mais cínica. No Brasil, o governante elogia torturadores e deputados prestam homenagens a ditadores. Uma mendiga que pede um real de esmola recebe como resposta um tiro. A cada hora uma mulher é agredida por ser mulher. Sem falar nos crimes motivados por homofobia e racismos.

O mais triste de toda essa cultura do ódio e da intolerância é constatar que, de vez em quando, isso toma a cara de fanatismo religioso e as Igrejas cristãs, através de seus pastores, não chegam a reagir de forma profética e convincente. Mais do que em outras épocas, essa realidade revela que as Igrejas e a humanidade precisam do que a liturgia latina chama de tempo do Advento.

Em latim, advento significa “vinda”. Conota um modo próprio de esperar. Propõe aguardarmos a realização do projeto divino no mundo, do mesmo modo como, a cada noite, o guarda noturno espera ansiosamente que o dia desponte. Essa espera vigilante é ativa e colabora para que, logo, desponte a madrugada da libertação.

As Igrejas cristãs mais antigas dedicam essas quatro semanas antes do Natal para cultivar a expectativa da realização do projeto divino no mundo. Nessa perspectiva, a festa do Natal não pode ser reduzida a uma memória sentimental do nascimento do menino Jesus. Nunca foi essa a perspectiva pela qual as Igrejas celebraram o Natal. Os antigos ensinavam que não adianta lembrar o nascimento de Jesus em Belém se não fizermos do nosso ser interior e do mundo em que vivemos um presépio para acolher não apenas o menino Jesus, mas o projeto pelo qual, um dia, ele nasceu nesse mundo.

Jesus nasceu para nos revelar a presença divina no ser humano. Ele mostra que a promessa feita por Deus de um mundo renovado pela justiça e pela paz é atual e possível. Essa promessa se realiza por iniciativa divina, mas através de nós e pelo nosso modo de viver.

Podemos apontar sinais concretos de que, de alguma forma, o projeto divino começa a acontecer, mesmo em meio a todas as tragédias do cotidiano. É claro que para perceber isso, temos de ser capazes de vislumbrar sinais da madrugada que vem, mesmo na mais escura das noites. Para isso, é preciso ler a nossa fé e interpretar toda a Bíblia como revelação desse projeto.

Como a tradição cristã acentua que é a manifestação da presença de Jesus que marcará a chegada definitiva do reinado divino, os evangelhos nos convidam a esperá-lo como servos que aguardam, preparados e atentos, a vinda do Senhor.

As Igrejas cristãs celebram o Natal no mesmo mês em que as sinagogas judaicas recordam a festa de Hanuká, aniversário da dedicação do templo de Jerusalém e da retomada da independência do povo de Deus no tempo dos Macabeus. Provavelmente, foi durante essa festa que, um dia, Jesus foi ao templo e chocou os sacerdotes e pessoas religiosas. Expulsou dali os vendedores de animais para os sacrifícios. Fez isso para mostrar que Deus não precisa de templos, nem de sacrifícios religiosos.

Tanto a tradição cristã quanto outros caminhos religiosos ensinam que o templo da presença divina no mundo é todo ser vivo e todo o universo como sinal de uma inteligência amorosa que conduz cada ser à vida e tudo governa. A festa do Natal não pode servir apenas para enganarmos nossa solidão com o aumento de vendas no comércio e o estímulo ao consumo. É preciso armarmos um presépio vivo em nosso coração e vermos todo o universo como templo vivo da presença divina no mundo.

Marcelo Barros
Monge Beneditino
Membro do Movimento Fé e Política
Foto: marcelobarros.com

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