A República derrete

Por Jorge Alexandre Alves*

Os eventos das últimas semanas no Brasil nos mostram que entramos em um nova etapa no processo de deteriorização das instituições de Estado no país. Após o desenlace dos acontecimentos de sete de setembro, a sensação de permanente crise política instalada no Brasil agora se converte em uma crise institucional.

Bolsonaro avançou sobre fundamentos importantes da República, incitou o conflito social e ameaçou membros da mais alta instância do Poder Judiciário, o STF. Todavia, no auge do conflito, após avançar dois passos no derretimento da democracia, recua pateticamente.

Para tanto, recebe a consultoria de uma velha raposa da política, acostumado a conspirações e articulações escusas, o ex-Presidente Michel Temer. Em carta redigida pelo seu antecessor, o atual Chefe de Estado, em lance digno de acrobacia de ginasta, praticamente desfaz seu discurso de ataque à mais alta corte de justiça do país.

Embora o gesto do presidente tenha amenizado tensões, não há motivos para comemorarmos uma eventual derrota do grupo que hoje ocupa o Planalto. É preciso ter cautela, porque essa não é a primeira vez que Bolsonaro faz coisa do gênero.

Dessa vez, ele passou de todos os limites, mas esse comportamento não é inédito. O que se passou no começo da semana foi o mais crítico e contundente gesto rumo ao autoritarismo, mas não foi nenhuma novidade.

Aliás, isso é padrão na postura dele. É uma tática militar – conhecida como “aproximações sucessivas”. Ele vai, avança nas instituições, corrói a República e depois recua.

Possivelmente, isso irá até o ponto em que não teremos mais pedra sobre pedra, a não ser que o Presidente seja destituído legalmente de suas funções. A República está derretendo. A democracia está erodida em demasia já não é de hoje.

Contudo, ontem assistimos boa parte da imprensa e parcela da classe política passando pano para os crimes do presidente. Isso é uma vitória não de Bolsonaro, mas de quem realmente manda no país e foram os responsáveis primeiros pelo caos político onde estamos hoje, os militares.

Sete de Setembro pode não ter sido uma versão 2.0 do incêndio do Reichstag. Mas foi muito mais além do que um simples “putsch” da cervejaria de Munique.

Todos os limites foram ultrapassados na micareta golpista de dois dias atrás. Sobretudo em Brasília. Contudo, Bolsonaro foi obrigado a fazer um recuo tático.

Isto ocorreu em parte porque o STF foi vitorioso na partida de pôquer que jogou na madrugada do dia da Independência contra a PM do DF e as FFAA. O blefe da Suprema Corte reduziu significativamente o público na festa golpista que o bolsonarismo planejou meticulosamente.

O bloqueio das estradas foi uma espécie de “plano B” que se revelou desastroso para uma economia já combalida. Até a distribuição de vacinas ficaria comprometida. O grande capital gritou.

Botaram água na fervura. Por hora.

O golpe continua em marcha. A questão é onde será o próximo avanço sobre as instituições jurídico-políticas do país?

O circo dos horrores de 07/09/21 pode ter sido um ensaio geral para 2022. Ano que vem a data será simbólica. Bicentenário da Independência.

Estaremos a menos de um mês das eleições presidenciais. Sem Covid, teremos paradas militares por todo o Brasil.

Se Lula estiver nadando de braçada nas pesquisas de intenção de voto, será que a grande mídia será tão enfática na denúncia do golpismo e na defesa da democracia liberal? Esse ano foram os caminhoneiros, mas se no ano que vem forem militares e polícias com seu aparato bélico já nas ruas? Em plena comemoração dos 200 anos da independência do Brasil?

Essa história ainda não acabou. Fiquemos atentos às cenas dos próximos capítulos dessa tenebrosa série…

Foto: Site Iser Assessoria

*Jorge Alexandre Alves é sociólogo e professor.
Integra a Coordenação Ampliada do Movimento Nacional Fé e Política e
o Núcleo de Fé e Política Pe João Chribbim, no Rio de Janeiro.

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