Laudato Si’, Ecossocialismo e Bem-Viver na conjuntura mundial

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Encontro com Michael Löwy - Foto: Marco Arroyo
Encontro com Michael Löwy – Foto: Marco Arroyo

Breve síntese1 do encontro com Michael Löwy

Por Daniel Seidel2

Em parceria com o Centro Ecumênico de Serviço à Evangelização e Educação Popular – CESEEP – o Movimento Nacional Fé e Política promoveu na noite de 25 de setembro, em São Paulo, um encontro sobre “Laudato Si’, Ecossocialismo e Bem-Viver na conjuntura mundial”. A palestra ficou a cargo do Prof. Michael Löwy3, conhecido ecossocialista e autor do livro “O que é cristianismo da libertação? Religião e Política na América Latina” (Fundação Perseu Abramo e Livraria Expressão Popular, 2016).

Alertando para a catástrofe para a qual o planeta está se dirigindo rapidamente – furacões cada vez mais frequentes, aquecimento global, derretimento dos gelos polares – M. Löwy alertou: “

Se os mares subirem em média um metro, as principais cidades do mundo podem desaparecer! A aceleração imposta pela exploração capitalista, desde a Revolução Industrial é a grande responsável por todos esses efeitos”.

Neste contexto a Encíclica Laudato Si4 é o documento mais importante dos últimos anos em nível mundial. É uma carta papal antissistêmica: condena de maneira clara a busca da maximização do lucro em prejuízo da vida no Planeta. Hoje há uma perversidade na economia mundial: predomínio do lucro; sacralização do dinheiro; e consumismo desmedido”.

Encontro com Michael Löwy - Foto: Marco Arroyo
Encontro com Michael Löwy – Foto: Marco Arroyo

E o que fazem os poderosos? Ocultam os sintomas. Propõem pseudossoluções como a invenção do mercado de carbono que transfere dinheiro, mas não reduzem as emissões. Nem o dito “desenvolvimento sustentável” consegue preservar o equilíbrio ecológico.

O papa pede que ouçamos o clamor da Terra e o clamor dos pobres. Faz um diagnóstico precioso, que desagrada os ideólogos do mercado. “É um documento radical”, afirmam. Por seu turno, Francisco afirma que outra economia é possível, baseada no princípio do Bem Comum.

Nós ecossocialistas ou ecocomunistas nos propomos a unir ecologia socialista e socialismo ecológico”. O Sistema Mundial não pode crescer ilimitadamente. É preciso pensar numa solução que atenda esses limites. Por sua vez, a Oxfam5 denuncia o crescimento assustador da desigualdade social no mundo.

Encontro com Michael Löwy - Foto: Marco Arroyo
Encontro com Michael Löwy – Foto: Marco Arroyo

Romper com a propriedade privada; estabelecer um planejamento ecológico democrático, são algumas das medidas que os ecossocialistas propõem. “As grandes decisões devem ser tomadas pelo povo”.

Outras medidas: substituir as fontes de energia fósseis por fontes renováveis; mudar o padrão de consumo; acabar com a obsolescência programada dos produtos. Para isso será necessário um processo de transição. Nesta perspectiva é urgente acabar com a publicidade que cria necessidades artificiais.

Tais mudanças só acontecem como fruto de uma revolução, de um processo de lutas. Para tal é preciso acumular forças com lutas ecossociais, tais como “tarifa zero”: transporte coletivo gratuito, para mencionar apenas um exemplo.

Encontro com Michael Löwy - Foto: Marco Arroyo
Encontro com Michael Löwy – Foto: Marco Arroyo

Os Povos Indígenas estão em lutas ecossociais por seus territórios contra as mineradoras. Estão na linha de frente nessa luta. São martirizados. Do Canadá à Argentina eles estão lutando. São muitos exemplos. São lutas ecossociais. E por que os Povos Indígenas? Porque o espírito dos Povos Indígenas está em oposição aos valores e ao espírito capitalista. “Temos muito que aprender com eles”.

Sumak kawsay6 ou Bem-Viver é uma outra maneira de dizer ecossocialismo”. O líder indígena Hugo Blanco, do Peru, afirma: “já praticamos o ecossocialismo há vários séculos. José Carlos Mariátegui, pensador peruano falou em “comunismo inca”. “O comunismo moderno será indo-americano”.

A relação com a Pachamama (Terra-mãe) implica reconhecer a sacralidade da Natureza. O Bem-Viver decorre desse reconhecimento e propõe uma utopia generosa e universal para os sindicatos e partidos de esquerda. A Encíclica Laudato Si se soma a essa proposta e pode ajudar a disseminar o ecossocialismo. Não é tarefa sua definir uma linha para a ação concreta, mas sim trazer uma inspiração profunda para quem busca alternativas para as veias abertas da América Latina e Caribe, tão explorada.

Em cada continente o Bem-Viver precisa encontrar seu nome, seu modo de valorizar as relações entre os seres humanos e destes com a Natureza, buscando modos de vida adequados e de acordo com as possibilidades de renovação que a Terra-mãe determina.

Para aproximar ecossocialismo e juventude é preciso partir de necessidades concretas e de lutas necessárias, como por exemplo o passe-livre. Sempre ampliar e aplicar as ideias a outros âmbitos de políticas públicas, propondo alternativas concretas e gratuitas. A gratuidade, princípio tão caro ao cristianismo, é abominada pelo capitalismo porque traz felicidade, mas não o lucro.

Há um diálogo em construção entre marxistas e cristãos na Europa, incentivado pelo Papa Francisco e mediado pelos focolarinos7. Alguns encontros já aconteceram, em ambiente de diálogo onde foram suprimidos tanto os títulos eclesiásticos quanto os acadêmicos. “Vejo com esperança essa aproximação sincera, apesar das reservas de ambos os lados”, disse M. Löwy.

Seguiu-se o debate.

Notas:
1 É uma breve síntese sem a revisão de Michael Löwy.
2 Daniel Seidel, mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília, é membro da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política.
3 Michael Löwy nasceu em São Paulo em 1938. Estudou ciências sociais na USP em 1960. Doutorou-se na Sorbonne com Lucien Goldmann em 1964 com uma tese sobre o jovem Marx. Vive em Paris desde 1969, onde trabalhou como diretor de pesquisa do CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique). É autor de livros e artigos traduzidos em 22 idiomas.
4 Laudato Si, disponível em vatican.va
5 Confira em brasil.elpais.com
6 Sumak Kawsay para saber www.cimi.org.br e fmclimaticas.org.br
7 O Movimento dos Focolares (do italiano: focolare: lareira, lar, casa) ou Obra de Maria é um movimento leigo de inspiração cristã-católica fundado em 1943, em Trento, Itália, por Chiara Lubich. focolare.org