por Selvino Heck.
“Estamos num momento de resistência e luta. Nestes momentos, surge a criatividade política, não nos momentos de bonança. Nada de depressão! Com depressão não vamos pra frente! Tomar um copo de vinho, tudo bem, mas não outras coisas” – (Eugenio Raúl Zaffaroni, no Colóquio promovido pelo IDP, Instituto Novos Paradigmas. ‘A QUESTÃO DEMOCRÁTICA E A MIDIATIZAÇÃO DO PROCESSO JUDICIAL’, Porto Alegre, 02.8.18).
A campanha eleitoral está começando oficialmente por estes dias com muitas dúvidas e incertezas. Em menos de dois meses, brasileiras e brasileiros vão decidir quem serão os governantes nos próximos quatro anos. A crise econômica e social ronda os lares e as famílias, trazendo cada dia mais desemprego, mais população em situação de rua, mais pobreza, o Brasil podendo voltar em breve ao Mapa da Fome, de onde, ineditamente, tinha sido tirado em 2014, os direitos mais pobres estão sendo retirados sem dó nem piedade. Um golpe em curso coloca em xeque as conquistas da democracia, também inéditas, das últimas décadas.
Entrar em depressão? Jamais, segundo o ilustre jurista argentino Zaffaroni. Nestes tempos de frio, de um inverno que teima em não terminar, pelo menos no Rio Grande do Sul, tomar um copo de vinho, talvez dois, tudo bem, faz bem ao corpo e ao coração.
No mais, diz Zaffaroni, este é o momento certo de despertar a criatividade política. Estamos num tempo de resistência política. Estamos num momento de debate sobre o futuro, por mais que as eleições abram poucos espaços para o debate. A proposta do Congresso do Povo, coordenado pela Frente Brasil Popular, da construção de um Projeto de Brasil torna-se cada dia necessário e urgente, mesmo que ao mesmo tempo e junto com o processo eleitoral. E deve ser ampliado, criando-se as condições para a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte Exclusiva e Soberana, a ser chamada pelo governo eleito em outubro, e com amplo apoio popular.
O voto, assim, nestes tempos de poucas luzes, acaba sendo especialmente importante. Não apenas por decidir os futuros governantes e o futuro Congresso, mas porque poderá abrir espaço para Reformas estruturais, fundamentais, para revogação das medidas anti-povo do governo golpista, como a PEC 95 de congelamento dos gastos públicos por 20 anos, da reforma trabalhista entre tantas outras medidas de um governo ilegítimo.
No mais, é rua. Como foi tantas outras vezes na história do Brasil. Em plena ditadura, os metalúrgicos do ABC paulista e os bancários de Porto Alegre não tiveram medo de entrar em greve e enfrentar patrões e generais ditadores. Sequer havia eleições diretas para presidente neste período. Em tempos de ditadura, surgiram as Oposições Sindicais, o sindicalismo combativo, a CUT, o MST, as pastorais sociais de várias igrejas, outros tantos movimentos populares, ressurgiram os partidos de esquerda. Ou seja, o campo popular e democrático não se acovardou, foi pra rua exigindo direitos, democracia, soberania.
Mais adiante, os governos populares de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul, criativamente, construíram com o povo o Orçamento Participativo, a população participando diretamente das decisões sobre o orçamento público, sobre o seu dinheiro, sobre os impostos a serem pagos, sobre as políticas públicas. Quase uma revolução, numa sociedade e numa Nação amordaçadas por mais de vinte anos!
Em tempos neoliberais na América Latina e no mundo, o primeiro governo Lula propôs o Fome Zero, com mobilização social, no enfrentamento de um problema secular de um país com dezenas de milhões vivendo na miséria e passando fome em pleno século XXI. O Brasil saiu do Mapa da Fome, assim proclamado em 2014 pela FAO, organismo da ONU.
O debate, o voto e a mobilização social fizeram o Brasil ser reconhecido na América Latina e no mundo através de suas políticas públicas, do olhar de governos para os mais pobres entre os pobres, e fizeram com que a população brasileira tivesse direitos, historicamente sonegados, vez e voz.
Mas foi, principalmente, na rua, nas greves, nas ocupações urbanas e rurais, nas Marchas dos sem-terra e dos sem teto, em lutas e mais lutas, que avanços históricos aconteceram e as elites brasileiras escravocratas e patrimonialistas abriram mão de pequena parte de seus privilégios e poder, e que agora estão querendo retomar definitivamente, como se fossem donas de todos e de tudo para sempre.
As tarefas são, portanto, múltiplas, e precisam de coragem e criatividade política. Todo ao mesmo e agora, como se dizia nos anos 1970/1980, quando a democracia precisava ser reconquistada, a organização popular e a resistência precisavam avançar rapidamente. Não há tempo a perder: debate, voto e rua manhã, tarde, noite, madrugada nos próximos meses.
Resumindo, como escreveu Leonardo Boff em artigo recente: “Está confuso, mas eu sonho, digo eu nestes tempos sombrios. O sonho ninguém pode prender. Ele antecipa o futuro e anuncia o amanhã”

Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990)