No sea así entre ustedes: ensayo sobre política y esperanza: Juan Hernández Pico, S.J. San Salvador, El Salvador, UCA editores, 2010; (ISBN: 978-99923-5930-3; 700 pg.)
Publicado em Horizonte, out – dez 2015: http://dx.doi.org/10.5752/P.2175-5841.2015v13n40p2320
Apresentação
O que fazer em tempos de desalento e cinismo, quando a globalização do mercado rompe os laços de solidariedade humana e favorece a indiferença diante do sofrimento alheio?Será que ainda faz sentido pensar uma Humanidade reconciliada consigo mesma e com a Terra, ou foi tudo um sonho da geração que viveu os anos dourados após a II guerra mundial? Será ingenuidade continuar a crer na profecia de um tempo quando Justiça e Paz se abraçarão, ou ela tem algum fundamento racional? Questões como estas perturbam quem se empolgou com a mensagem libertadora de Jesus de Nazaré e hoje tem a sensação de viver fora do mundo real, o mundo onde a felicidade é oferecida como um dentre os muitos produtos do mercado. Uma dessas pessoas é Juan H. Pico, jesuíta guatemalteco nascido no País Basco e com longa militância na assessoria às lutas populares na América Central. Para ele, como para tantos de nós, a fé na ressurreição de um crucificado pelo Império romano garante que nossa luta por outro mundo possível será vitoriosa. Para fundamentar essa Esperança – que não é somente um sonho gostoso mas uma força para a ação – ele nos oferece o livro aqui comentado a título de resenha.
Obra planejada para a coleção “Teologia e Libertação” – cuja publicação foi bloqueada pela Cúria Romana – o livro seria o tomo referente a “Fé e Política”. Passados muitos anos, o Autor retomou o projeto e escreveu um tratado sobre o tema tendo como pano de fundo não mais o cenário de avanço das lutas populares no mundo (a vitória sandinista, o crescimento de Movimentos sociais e Partidos de esquerda, o fim do colonialismo…) e no campo cristão (Comunidades Eclesiais de Base e Pastorais sociais, a defesa dos Direitos Humanos…), mas o cenário sinistro de um mundo submetido ao capitalismo globalizado e de Igrejas cristãs competindo entre si para exibir maior quantidade de adeptos. Nesse tempo de pesadelo (pois o livro foi publicado antes da eleição do papa Francisco) Hernandez Pico relê a mensagem cristã para alimentar a Esperança de quem está na luta popular. E o faz com a maestria de sua sólida formação em teologia e em sociologia.
O livro é agradável de se ler, embora não seja fácil: é obra para ser estudada. Seria a leitura apropriada para os cursos de Fé e Política que hoje se multiplicam pelo Brasil, como texto de referência para seminários ou grupos em que cada participante se debruça sobre um tópico e ao final todos partilham o que leram grupo. Em boa hora o texto integral foi publicado em forma eletrônica por Amerindia, podendo ser acessado em amerindiaenlared.org/biblioteca/8007/no-sea-asi-entre-ustedes–ensayo-sobre-politica-y-esperanza–juan-hernandez-pico. Esperamos agora a tradução para português.
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O livro articula admiravelmente as duas faces da questão: a fé cristã e a política. Vejamos cada uma delas separadamente, para ao final fazer uma apreciação geral.
Política: teoria e realidade
Uma análise de conjuntura feita durante a crise financeira de 2009 serve como porta de entrada para a abordagem da política. Sem otimismo nem ingenuidade, o Autor fala da vitória do capitalismo neoliberal que traz consigo a concepção do “fim da história”: derrotado o socialismo soviético, não haveria mais possibilidade histórica para outro sistema mundial. O século XXI seria então é o século das “histórias particulares” de uma ou outra nação, na medida em que conseguisse mudar seu destino dentro do quadro capitalista em vigor. Nesse sistema, as grandes corporações transnacionais impõem seu projeto econômico aos Estados, cuja soberania é cada vez menos efetiva. Não é surpresa, portanto, o desencanto generalizado com a política, já que o Estado não tem mais meios para cuidar eficientemente do interesse público. Essa perspectiva global não o impede, porém, de perceber movimentos que buscam verdadeira mudança, como são as experiências de governos de esquerda na América Latina e o Fórum Social Mundial. Diante desse panorama situa-se a reflexão sobre a vocação política do cristão, entendendo que fazer a memória de Jesus, como ele ordenou em sua última ceia, é colocar-se ao lado das vítimas do império, às quais ele doou sua vida.
Ao assumir o lugar das vítimas do poder como ponto de referência para o estudo, o Autor inverte a perspectiva habitual que vê a política como atividade própria dos dirigentes. Ao estudar as teorias do poder a partir do lugar dos subalternos, percebe-se a outra face da política como instrumento que sofistica a dominação imposta por uma classe ou grupo ao conjunto da sociedade.
O Autor inicia sua abordagem pelos clássicos do pensamento greco-romano. Tendo sólida formação filosófica, Hernández Pico trabalha a relação entre política, ética e educação em Sócrates, Platão e Aristóteles para explicar as origens de conceitos até hoje usados para entender as formas de governo que sustentam a vida na polis. O pensamento romano incorpora como categoria central o Direito que, na decadência do império combina-se com a teologia agostiniana das “duas cidades” para fundamentar o projeto da cristandade. Esse projeto está ancorado na separação entre o que é do céu e o que é da terra e postula a supremacia do celestial sobre o terrenal. O pensamento tomista desenvolve esse dualismo: Deus é o governante supremo do mundo e seu plano deve realizar-se por meio de reis cristãos – isto é, submissos à Igreja católica. O modelo político da cristandade medieval torna-se o paradigma político da Europa, mas será o alvo da crítica moderna
desde o Renascimento até o final do século XX, quando perde o avanço da secularização liquida sua plausibilidade.
O processo de secularização da política tem início com Maquiavel, no final do século XV. Ele rompe o esquema da cristandade ao entender a política como a arte de conquistar e exercer o poder, sem curvar-se à Igreja, cuja função política é a de propiciar a obediência dos súditos ao príncipe. Não por acaso a obra de Maquiavel ficou associada à política que hoje chamamos “de resultados” porque também para ela os fins justificam os meios.
É interessante observar que nessa mesma época o pensamento católico também começa a abalar o esquema da cristandade ao considerar a
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Pedro A. Ribeiro de Oliveira